terça-feira, 1 de dezembro de 2009

Rua com armazém rosado


Já se acendem os olhos dessa noite em cada boca de rua, e é como a estiagem farejando chuva. Agora todos os caminhos estão perto, até mesmo o caminho do milagre. O vento traz a aurora entorpecida. A aurora é nosso medo de fazer coisas diferentes e desce sobre nós. Caminhei por toda a santa noite e sua inquietude me deixa nesta rua, uma qualquer. Aqui outra vez esse sossego da planície no horizonte e o terreno baldio que se desfaz em amarantos e arames e o armazém tão claro quanto a lua nova de ontem, tarde. A esquina é familiar como a lembrança com seus longos frisos e a promessa de um pátio. Que bom testemunhar-te, rua de sempre, já que meus dias viram tão poucas coisas! A luz já risca o ar. Meus anos percorreram os caminhos da terra e da água e é só a ti que sinto, rua dura e rosada. Penso se tuas paredes conceberam a alvorada, armazém assim claro no limite da noite. Penso e ganha a voz diante das casas a confissão de minha pobreza: não vi os rios nem o mar nem a serra, mas conviveu comigo a luz de Buenos Aires e eu forjo os versos de minha vida e de minha morte com essa luz de rua. Rua grande e sofrida, és a única música que minha vida conhece.

Jorge Luis Borges . Primeira Poesia

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